Arte de Decifrar Motivações
- nardemindmentoring
- 2 de out.
- 7 min de leitura

Navegando Culturas e Perspectivas em ambientes corporativos
Trabalhar em qualquer organização, seja uma startup em crescimento, uma empresa familiar, uma corporação de médio porte ou uma multinacional é, na prática, viver dentro de um organismo vivo. Mais do que números, processos e cargos, uma empresa é um ecossistema funcionando com todas as suas particularidades e conexões, feito de pessoas com culturas, histórias, crenças e formas muito distintas de pensar e sentir.
Pensa aqui comigo: você entra numa reunião, pode ser uma fone conferência com pessoas de vários países, uma sala de diretoria numa empresa nacional ou até um encontro entre áreas dentro de uma empresa menor. De um lado, alguém pressionado com prazos; do outro, alguém mais analítico, que quer revisar cada detalhe. Tem aqueles que chegam cheios de ideias ousadas e outros que levantam questões éticas ou riscos que ninguém tinha parado para pensar.
Cenas como essa se desenrolam diariamente no ritmo acelerado das empresas, mas o que muitos não percebem é o real tamanho do desafio: como transformar toda essa diversidade de pessoas, ideias e estilos em um sistema bem ajustado e que gere resultados sólidos? No fundo, esse é o grande enigma de qualquer organização hoje: converter essa salada de visões em um ativo poderoso, e não em um grande e verdadeiro campo minado de conflitos.
A resposta não está em ter a planilha ou apresentação mais bem preparada ou dominar todos os jargões técnicos. O verdadeiro diferencial está em ir além da superfície, em ultrapassar barreiras de linguagem, cultura ou experiência, para enxergar o que realmente move cada pessoa. O que faz aquele colega defender uma ideia com tanta energia? Que receio está por trás da resistência silenciosa daquela pessoa? Que aspiração se esconde naquele “sim” empolgado?
É justamente sobre isso que quero conversar com você.
Muito Além dos Estereótipos Cultura é Perspectiva
Quando falamos de culturas diferentes, é fácil cair na armadilha dos rótulos e simplificações: brasileiro é caloroso, alemão é metódico, indiano é resiliente, americano é direto. Essas generalizações até ajudam a quebrar o gelo, mas não contam a história toda. Nem sequer ajudam a enxergar o que de fato pode destravar resistências e ganhar aliados para os seus projetos e ideias.
O que realmente importa não são os rótulos, mas as perspectivas que vêm da cultura de cada um. Cultura é um filtro, quase como um par de óculos invisíveis. Ela define como cada pessoa enxerga o tempo, como encara conflitos, o que considera prioridade e até o que entende e define como “sucesso” pessoal e profissional.
Um exemplo famoso disso é a distinção entre culturas de alto contexto e de baixo contexto, conceito descrito pelo antropólogo Edward Twitchell Hall (1914–2009).
Em culturas de alto contexto, como Japão e Brasil, a maior parte da mensagem não está apenas nas palavras ditas, mas nos gestos, nos silêncios, nas relações de confiança e no que fica subentendido. É um tipo de comunicação em que o ambiente e os vínculos entre as pessoas carregam tanto peso quanto aquilo que é falado.
Já em culturas de baixo contexto, como Estados Unidos e Alemanha, a lógica é oposta: a prioridade está em dizer tudo de forma explícita. O valor está na palavra direta, clara, objetiva, e muitas vezes registrada em contrato. É uma comunicação que busca reduzir ao máximo as ambiguidades.
Agora reflita: isso não é apenas sobre como as pessoas falam, mas também sobre como elas enxergam a vida.
Um japonês, por exemplo, ao buscar consenso antes de tomar uma decisão, não está sendo “lento”; ele está protegendo a harmonia do grupo, porque desagradar alguém pode comprometer o projeto inteiro. Enquanto isso, um americano pode interpretar esse mesmo processo como excesso de burocracia ou lentidão, quando na verdade se trata de uma lógica cultural completamente diferente da dele.
Em minha trajetória corporativa, vivi muitas situações como a descrita acima. Em um projeto global em que participei, os europeus viam um prazo curto como um desafio a ser ultrapassado: “vamos inovar rápido e entregar o que nos pediram”. Os colegas asiáticos, por outro lado, enxergavam a mesma situação como perigosa e arriscada, pois não haveria tempo para ouvir todos os stakeholders. E nós, brasileiros, muitas vezes buscávamos um equilíbrio entre essas perspectivas, valorizando o relacionamento e a harmonia do grupo, mas tentando avançar sem perder flexibilidade. Para uns, era sobre autonomia individual; para outros, sobre interdependência coletiva.
Quando entendemos essas diferenças, mudamos o formato das reuniões: incluímos momentos de feedback coletivos e oportunidades de alinhamento, respeitando o estilo de cada cultura. Sabe o que aconteceu? O projeto foi concluído dentro do prazo e a equipe terminou mais engajada do que no início.
Não foi mágica. Foi compreensão do que realmente motivava cada lado. Isso mostra como cultura e psicologia andam de mãos dadas. Como já disse o neurocientista Antonio Damasio, não existe decisão racional sem emoção. E a emoção, no mundo corporativo, quase sempre é influenciada e moldada pela cultura.
E por que isso Importa Tanto?
Porque sem entender as motivações por trás das ações e decisões dos outros, a gente navega às cegas em um oceano de incertezas, onde cada onda pode ser um mal-entendido disfarçado de acordo ou uma oportunidade perdida por falta de sintonia.
Há um estudo da Harvard Business Review de 2024 ("M&A Impact on People and Culture"), onde é mencionado que fusões e aquisições que fracassam, tem como causa raiz choques culturais e desafios relacionados a pessoa; até 70% dos casos não alcançam as sinergias esperadas por causa disso. E não estamos falando de detalhes técnicos ou financeiros, mas sim sobre gente não se entendendo, perspectivas que colidem e motivações que não se alinham.
Do outro lado da moeda, empresas que investem em diversidade cultural e inclusão chegam a ser 35% mais lucrativas, segundo a McKinsey. E por quê? Porque conseguem juntar diferentes olhares em vez de desperdiçá-los em conflitos e debates sobre quem tem a razão ou a melhor ideia.
Eu costumo comparar negociações internacionais a um jogo de xadrez multidimensional. Cada jogador não só tem uma estratégia, mas também enxerga um tabuleiro diferente. Se você não entende o que motiva o outro, pode colocar em risco a partida antes mesmo de começar.
Tive a oportunidade de participar de um projeto no qual exportamos veículos produzidos no Brasil para o mercado europeu. O desafio inicial parecia técnico: ajustes nos produtos, para deixá-los em conformidade com normas locais. Para os brasileiros, pequenas flexibilizações nas exigências eram vistas como sinal de adaptabilidade e de parceria comercial. Já para os europeus, sobretudo do norte, seguir cada detalhe das normas era sinônimo de ética e credibilidade. Olhando de fora, parecia apenas um impasse regulatório, mas, na essência, havia motivações distintas: os brasileiros priorizavam a construção da relação de longo prazo e a capacidade de adaptação; os europeus buscavam coerência absoluta com seus padrões de segurança e transparência.
Quando conseguimos compreender essas diferenças, encontramos um caminho comum: adotamos auditorias compartilhadas e criamos um processo de homologação em conjunto com as autoridades regulatórias. O resultado foi que não apenas conseguimos entrar no mercado dentro das regras, como estabelecemos uma confiança mútua que sustentou e fortaleceu a parceria muito além da primeira exportação.
E como se tornar um Mestre em decifrar Motivações
Uma vez compreendido o cenário e a importância de fazer uma leitura correta, vem a pergunta inevitável: ok Elpidio, mas como levar isso para o dia a dia? Como agir de forma natural, sem esperar que os impasses se acumulem até se tornarem crises?
Afinal, teoria sem prática não altera resultado. Por isso, compartilho aqui cinco estratégias que aprendi ao longo da minha jornada e que recomendo a profissionais que queiram navegar nestes ambientes multiculturais e diversos.
1. Mapeie as motivações antes de começar
Não avance no escuro. Antes de uma negociação, de uma reunião ou até mesmo de um novo projeto, busque entender o que realmente move a outra parte. Pergunte diretamente: “O que é essencial para você nesta parceria?” ou crie mecanismos sutis, como um breve questionário cultural. Muitas vezes, o que descobrimos surpreende. Algo que para nós parece detalhe, pode ser o ponto central para o outro. Esse mapeamento inicial economiza tempo, evita frustrações e abre espaço para acordos mais sólidos.
2. Escute o que não é dito
Esse ponto é um dos melhores, pois nem sempre as palavras contam toda a história. O silêncio depois de uma pergunta, uma câmera desligada numa reunião online ou uma pausa longa antes do “sim” são sinais tão relevantes quanto o discurso formal. A verdadeira escuta ativa não é apenas ouvir, mas interpretar as entrelinhas. Quando você aprende a perceber essas nuances, enxerga não apenas o que o outro fala, mas também o que ele sente e, muitas vezes, o que tenta evitar revelar.
3. Experimente outras culturas na prática
Conhecimento teórico é importante, mas nada substitui a vivência. Participe de workshops, role plays, programas de intercâmbio cultural, mesmo que virtuais. Eu mesmo já participei de simulações em que precisei negociar como se fosse parte de outra cultura, e essa experiência mudou radicalmente minha forma de conduzir reuniões reais. É como treinar músculos: quanto mais você se expõe a diferentes contextos, mais preparado fica para lidar com a diversidade do mundo real.
4. Crie conexão emocional
Os negócios são racionais na superfície, mas sempre atravessados por emoções. Pequenos gestos de reconhecimento cultural, como celebrar datas relevantes para um colega estrangeiro, respeitar seus horários sagrados ou até compartilhar tradições locais, funcionam como pontes invisíveis que aproximam pessoas. Essa conexão não é sobre agradar superficialmente, mas sobre mostrar respeito genuíno. Quando alguém sente que você valoriza sua cultura, a confiança se estabelece de forma natural.
5. Reflexão contínua
Cada interação é uma oportunidade de aprendizado. Depois de uma reunião ou negociação, faça uma autoanálise: “O que eu supus errado? O que aprendi sobre o outro lado? Como posso ajustar meu olhar na próxima vez?” Esse hábito de reflexão transforma erros em evolução constante. Mais do que técnica, é um exercício de humildade; e a humildade é um ativo poderoso para quem deseja liderar em um mundo interconectado.
Esses cinco pontos não exigem genialidade, apenas disciplina. Disciplina para treinar o olhar, para se expor ao novo e para se permitir aprender com cada encontro. No fim, esse treino não apenas o torna um negociador mais preparado, mas também um profissional capaz de criar pontes em qualquer contexto.
Agora, um convite
Compreender culturas e motivações alheias não é uma habilidade “bonita de ter”. É o que separa líderes que apenas sobrevivem de líderes que realmente transformam.
Num mundo cada vez mais automatizado, em que a inteligência artificial resolve cálculos em segundos, o que nos diferencia é exatamente isso: a capacidade humana de decifrar emoções, contextos e motivações.
Por isso, deixo aqui um convite prático: na sua próxima reunião, em vez de apenas ouvir o que as pessoas falam, faça um exercício silencioso. Pergunte a si mesmo: “o que realmente está motivando essa pessoa agora?”
Pode apostar: se você levar essa prática a sério, vai mudar não só o jeito de negociar, mas também a forma de construir relacionamentos profissionais e, como consequência, obterá maior colaboração para seus projetos.
E aí, me conta: você já viveu um momento em que as diferenças culturais mudaram o rumo de um projeto?
E mais: qual outra estratégia, além das que coloquei aqui, você acredita que podemos adotar para nos adaptarmos melhor a ambientes multiculturais?
Compartilhe: quero ouvir suas ideias e experiências.




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